Um pouco de tolerância






Amigos, estamos ficando perigosamente intolerantes.

Certa vez, no Nordeste, quando convidado a explicar por que a magistratura gaúcha era tão arrojada na proteção dos direitos sexuais recorri a velhos clichês, como o tipo "sirvam nossas façanhas", "patas dos cavalos", acabando por desembarcar na trilha lógica: a polarização contumaz.
É verdade, o antagonismo vira "grenalização" em tudo, assim maragatos e republicanos; pica-paus e chimangos; burgueses e pobres; comunistas e democratas; sulistas e aratacas; getulistas e lacerdistas; golpistas e libertários; progressistas e conservadores; fascistas e esquerdistas; coxinhas e petralhas. Se ficasse nisso tudo estaria bem, mas assim não acontece. Tristemente.
O filósofo francês Comte-Sponville remeteu a "tolerância" para uma das últimas posições de sua escala entre as grandes virtudes, apenas superando algumas, como a pureza ou a doçura, mas ficando bem abaixo da polidez, da fidelidade, prudência ou temperança, afirmando, contudo, que a tolerância só surge nas "questões de opinião" e por isso acontece com mais frequência e quase sempre.
A crise econômica que se atravessa, muito devida à devassidão e desvio da sadia política, aliada ao desenvolvimento do ambiente virtual e da liberdade midiática, acabou por criar peculiar "estado de guerra", onde amigos se desavêm; irmãos ficam indiferentes; familiares se afastam; companheiros se digladiam; ponderados viram anárquicos; pacíficos vociferam; prudentes invectivam; apáticos ficam militantes; brandem-se punhos; erguem-se vozes; desrespeita-se a dignidade; ofende-se a ética pessoal; não se admite outro parecer; desmoralizam-se as instituições republicanas; enfim, não se aceitam juízos de outrem, os entendimentos alheios: há muita eletricidade no ar.
Quem convive com as redes sociais fica assustado com a transfiguração de algumas pessoas; comentários arranham a honra do semelhante; ofensas abandonam o respeito para esgrimir um diálogo rude e ofensivo; anátemas chulos prevalecem sobre a polidez e a civilidade.
Volto a Sponville quando alude que, embora a tolerância se coloque quanto às opiniões, impõe-se indagar: o que é uma opinião senão uma crença incerta ou sem outra certeza que não subjetiva?
E conclui dizendo que a tolerância só vale contra si mesmo e a favor de outrem, não há tolerância quando não se tem um pouco a perder; menos ainda quando se tem tudo a ganhar e se suporta, pois tolerar é responsabilizar-se, renunciar uma parte do poder que cada um tem, é sair de uma posição demasiadamente fanática ou excessivamente dogmática.
E o pior: muita intolerância leva à violência. Aí é que mora o perigo.

Escrito por: José Carlos Teixeira Giorgis  (desembargador aposentado)

Fonte: http://zh.clicrbs.com.br/rs/opiniao/noticia/2016/04/jose-carlos-teixeira-giorgis-um-pouco-de-tolerancia-5778229.html

Publicado originalmente em 15/04/2016 - 05h34min

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