Reflexões sobre o Perdão

Reflexões sobre o Perdão


Nessa semana o presidente falou sobre a possibilidade de perdoar o holocausto, mas não de esquece-lo (https://www.gazetadopovo.com.br/mundo/bolsonaro-envia-mensagem-a-israel-sobre-declaracao-de-perdoar-o-holocausto/)


Não acho, pessoalmente, que um presidente do Brasil devesse se manifestar sobre o assunto que não diz respeito nem a ele e nem aos enormes problemas do país, mas a questão não é essa. Longe do Temperança falar de políticos. 

O ponto que chamou a minha atenção é quão arriscado é falarmos sobre assuntos delicados sobre outros povos num mundo globalizado e como uma fala em tese positiva (pelas relações dele com Israel, acredito que ele tenha intenção de agradar e não de ofender), pode ter repercussões negativas. 

Fui pesquisar o perdão nas religiões e achei vários textos interessantes (alguns abaixo). Fica claro pela leitura que o perdão é visto de formas diferentes nas religiões cristãs e na judaica. Mas certamente todas as religiões valorizam muito o perdão. 

Cristãos entendem que o perdão é uma forma de salvação e que pode ser um ato de vontade de quem perdoa, a religião judaica vislumbra maior complexidade no ato nobre de perdoar. 

Perdoar não significa esquecer. Significa esvaziar o coração de sentimentos ruins que nos prendem e não nos deixam seguir em frente. 

Perdoar não é para todos... realmente é difícil, As vezes desejamos racionalmente perdoar alguém, mas acabamos não conseguindo. 

Não perdoar significa manter vivos o rancor e a mágoa , sentimentos que não fazem bem para ninguém. 

O certo é que o perdão é muito melhor para quem perdoa do que para quem é perdoado. 


"O perdão é um processo mental ou espiritual de cessar o sentimento de ressentimento ou raiva contra outra pessoa ou contra si mesmo, decorrente de uma ofensa percebida, diferenças, erros ou fracassos, ou cessar a exigência de castigo ou restituição”.
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A tradição judaica nos traz algo muito interessante sobre o perdão:
“…As instruções pareciam claras: perdoe pelo bem do perdão. Perdoe não porque há um motivo que você entenda (pois talvez você jamais entenda Meus caminhos) nem porque Eu mereço (pois os caminhos que Eu manifesto muitas vezes são terríveis e assustadores). Perdoe unicamente por amor, para que possamos novamente ficar juntos. Perdoe porque você, criado à Minha imagem, também é um perdoador. Eu criei você com essa capacidade para que sempre, não importa o que aconteça em sua vida, você e Eu possamos estar juntos, prontos para um novo começo.
Não quero que a raiva e a culpa arruínem qualquer momento de minha vida, nem me afastem da unidade com a qual D’us criou o mundo e que somente eu tenho o poder de destruir. Felizmente, D’us concedeu-me a capacidade de perdoar e agora, naqueles dias desde Iom Kipur, Ele me deu a oportunidade de revelar aquele perdão. Ele sabe que tanto Ele quanto eu, e todos aqueles que Ele e eu amamos, continuarão fazendo coisas imperdoáveis uns aos outros. E apesar do sofrimento mútuo que causaremos, precisaremos perdoar um ao outro. Não perdoar seria uma falha insuportável na unidade da Criação.”
Fonte: http://www.chabad.org.br/datas/yomkipur/yom031.html.
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“Porque, se perdoardes aos homens as suas ofensas, também vosso Pai celestial vos perdoará a vós; se, porém, não perdoardes aos homens, tampouco vosso Pai perdoará vossas ofensas.” Mateus 6:14-15

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Entrevista com o professor Fernando Millán Romeral
O sacerdote carmelita e professor da Faculdade de Teologia da Universidade Pontifícia de Comillas (Madri) Fernando Millán considera que o pensamento judaico oferece um desafio positivo à idéia cristã do perdão.
O professor Millán, que também é professor de universidades pontifícias de Roma, explica nesta entrevista concedida à agência Veritas que «o judaísmo moderno tem conservado alguns traços essenciais do perdão que nós (em certos momentos e em certas linguagens, inclusive com a melhor intenção) podemos descuidar».
Concretamente considera que o conceito de «perdão» judaico poderia ajudar os cristãos a superar a tentação de «banalizar» o sentido do sacramento da reconciliação, superando a «crise dos confessionários».
–Poderia explicar o conceito de perdão para os judeus? Por que é tão importante para eles?
–Fernando Millán: Em primeiro lugar, é preciso dizer que o conceito de perdão é muito importante não somente para o judaísmo, mas também para todas as religiões. Mais ainda, é uma experiência tão essencial que (bem ou mal entendida) está presente em toda manifestação cultural, no debate político, na vida familiar, etc.
No judaísmo, o perdão é concebido de forma muito similar à que temos os cristãos (não em vão nós herdamos deles, entre outras muitas coisas também a idéia do perdão). Talvez, e isto é do que eu costumo falar, o judaísmo moderno tenha conservado alguns traços essenciais do perdão que nós (em certos momentos e em certas linguagens, inclusive com a melhor intenção) podemos descuidar.
Por isso, creio que pensadores como Vladimir Jankélévitch ou experiências como a que nos conta Simon Wiesenthal em sua obra El Girasol podem ajudar-nos a repensarmos nossa imagem do perdão, a imagem que às vezes se maneja na teologia e na catequese.
–Cre que o cristianismo –ou melhor, os cristãos– abandonaram esse conceito da conversão e que o conceito de perdão se converteu em algo, diríamos, “jurídico” (culpa, pena, etc.)?
–Fernando Millán: Creio que não. O crente que toma medianamente a sério sua fé está ouvindo falar quase constantemente de conversão e de perdão. O que talvez tem acontecido (ao menos em certos ambientes) é que por pregar um Deus misericordioso (como não podia se de outra maneira) temos esquecido que o perdão supõe um «retorno» para Deus, uma conversão. Deus perdoa sempre e perdoa tudo. Não há pecado tão grande que não possa ser perdoado e que Deus não deseje perdoar, mas somente a aquele que queira ser perdoado e isto supõe uma série de elementos (eu não falaria de condições) como o desejo de reparar na medida do possível o mal cometido, o arrependimento sincero, a atenção delicada às vítimas de nosso pecado, etc. Se isto não é assim, o perdão se converte em outra coisa.
Logicamente tudo isso tem sentido quando falamos de pecado no sentido forte (o verdadeiro pecado). Se não, este discurso converte-se em uma caricatura. Talvez nossa banalização do conceito de perdão venha de nossa banalização do conceito de pecado. Quando se chama pecado a qualquer coisa, ao final o verdadeiro pecado acaba por não ser tomado a sério…(...)
Em todo caso, insisto, as causas são muito complexas.
–O pedido de perdão do Papa João Paulo II pelos erros cometidos pelos cristãos na história, especialmente para os judeus, aproxima-se desta idéia de «conversão»?
–Fernando Millán: Creio que este gesto de João Paulo II tem uma grandeza enorme e tardaremos séculos até avaliá-lo devidamente. É certo que alguns crentes puderam sentir-se desconcertados, e inclusive houve quem se queixou de que ninguém pede perdão, só nós, cristãos, reconhecemos nossas culpas; pois, (valha a expressão) bendito seja Deus! Por pedir perdão não se perde estatura nem dignidade, pelo contrário.
(...) 
–Que influência teve o holocausto para os judeus contemporâneos?
–Fernando Millán: Disse Jean Améry, pensador judeu que escreveu muito sobre esse tema, que a experiência do holocausto não é somente um shemá Israel, mas um shemá mundo. O mundo inteiro olha assustado a experiência do holocausto, experiência que (sem atribuir nunca mais valor à morte de um ser humano que de outro) teve algumas características tão especiais que a converteram em um «unicum» da história da humanidade. Pensemos, por exemplo, em que se tratou de uma morte sistemática, fria, burocrática, e de uma perseguição na qual não havia possibilidade de redenção (ainda que o judeu fosse alto e louro, ainda que fosse cristão, ainda que se filiasse ao partido nazista, estava induzido igualmente ao extermínio…).
O holocausto deveria fazer-nos mais cautelosos, mais profundos em nossas análises políticas. Hoje que se fala com tanta superficialidade no mundo político, o holocausto é um alerta contínuo a nossas consciências e um aviso ético iniludível.
–Crê que a Shoá influiu no diálogo entre judeus e cristãos? Em geral, atualmente, a que ponto estão estas relações?
–Fernando Millán: É uma pergunta muito delicada. Não esqueçamos que o holocausto tem lugar em países cristãos, ainda que levado a cabo por uma ideologia fortemente anticristã. Por outro lado, o pensamento judeu não é unitário. Não existe um pensamento judeu único ou oficial. Neste sentido, creio que cristãos e judeus de boa vontade olhamos o holocausto com o mesmo estupor e horror. E olhamos também para o futuro. João Paulo II foi um Papa muito positivo neste sentido, e Bento XVI caminha pela mesma linha.
Se o cristianismo se mostra respeitoso e disposto ao diálogo com todas as religiões (sem que isso suponha aceitar tudo de forma não-crítica, sobretudo em certos casos), no caso do judaísmo isto se dá com mais clareza e inclusive com mais facilidade. Nossa relação com o judaísmo não é simplesmente a relação respeitosa entre duas religiões que caminham em paralelo, é muito mais: o cristianismo perde seus sentido se se esquece do judaísmo. Tem sido muito repetida nesse sentido a frase de João Paulo II («os judeus são nossos irmãos mais velhos na fé») e realmente resume bem isto que estamos dizendo.
Fonte: ZENIT
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A Comissão Nacional para o Diálogo Católico Judaico compartilha as suas reflexões sobre o conceito do Perdão para ambas religiões. 


Judaísmo

- No Judaísmo, não existe pessoa ou instrumento que possa conferir o perdão. (...) Princípio de fé no Judaísmo: só Deus pode perdoar e Deus é plena misericórdia e só Ele pode avaliar se o arrependimento é verdadeiro. Mas, fica a questão: como ter a esperança de ter obtido o perdão? Na oração diária, há o momento da confissão dos pecados (existe pecado para cada letra do alfabeto), e evoca-se os atributos do perdão de Deus.
No grande dia de Kipur, o conceito do arrependimento é indispensável.  Para isso é necessário reconhecer a falta, repará-la e ter o propósito de não repeti-la.Não há intermediário para se obter o perdão de Deus. Nessa situação, o rabino pode apenas ajudar.
Para que a confissão do pecado seja completa, a pessoa tem que pedir perdão à pessoa ofendida. E quando a pessoa está  confessando seu pecado e a pessoa ofendida já morreu, o que se faz?  Deve-se ir ao túmulo da pessoa ofendida.
(...)  
Igreja Católica
A oração, o arrependimento e a boa ação podem inverter a situação de pecado. O Cristianismo permite ao cristão partilhar seu problema, oferece intermediação entre o ser humano e Deus.
O cristão tem o ato declaratório do padre afirmando que o perdão foi concedido. No Cristianismo há a possibilidade da pessoa partilhar seu problema. - Basicamente o conceito de teshuva - arrependimento - é comum. Mas, o cristão tem, na pessoa de Jesus Cristo, um Redentor. A confissão é a aplicação dos méritos de Jesus Cristo. E o conceito de Jesus – Messias foi levado a ser Jesus-Redentor.
(...)  

Segunda-feira, 08 de dezembro de 2008

Postado por Prof. Guershon Kwasniewski às 12h00

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